O sabor da neve



O Inverno, na verdade, chegara cedo naquele ano e mostrava-se com pressa de enregelar as coisas, os animais e as pessoas. Dezembro mal despontava e a neve tomara já posse da cidade.
Estendera os seus tapetes de feltro sobre os telhados inclinados das casas e sobre a superfície plana das ruas, cobrira de mantas, ao acaso, as àrvores nuas.
 
Teresa com o seu dufflecoat colado ao corpo, as faces ou o que delas se via, crivadas de flocos de neve, seguia pela avenida de Berlim, em direcção a casa.
Perto de casa, Teresa tropeçou numa enorme pedra escondida sob a neve, e quase ía a soltar uma praga, quando nesse instante, ouviu a voz da sua senhoria.
— O carteiro deixou uma carta para a menina.
Sabe, disse ela com um sorriso malicioso, a carta não vem de Portugal, mas sim da Inglaterra.

Ao princípio mostrou-se surpreendida com a carta, mas logo, impelida por uma súbita ideia:
— Oh! É de um amigo português que está a estudar em Londres. 
Com efeito, a carta era do Alberto, que anunciava que vinha passar o Natal com ela.
Teresa sonhou toda a noite. Viu-se no Porto, naquele restaurante barato perto da Escola de Belas Artes. Foi aí, que ela conheceu o Alberto. 
Na véspera da Noite de Consoada, a neve invadiu a cidade; blocos de gelo tornaram as ruas perigosas. Eram cinco horas da tarde, quando a Teresa chegou à estação, o comboio devia chegar dentro de momentos, porém devido à vaga de frio o tráfico rodoviário era caótico, e os comboios eram afectados por fortes atrasos. 

Chateada, sentou-me num banco da gare e passou pelo sono. Sobressaltada, saltou do banco, quando ouviu anunciar a entrada do comboio de que estava à espera.

A figura do Alberto desenhou-se no enquadramento da porta da carruagem e, depois de trocadas as saudaçoes habituais, tomaram um táxi a caminho de casa. Já no táxi, Alberto voltou-se para a companheira com um sorriso e deu-lhe a conhecer o plano dessa noite.

— Em Londres conheci uma jovem pintora alemã, a Heike, que tem um atelier aqui na cidade, e convidou-nos para a visitarmos esta noite. Estás de acordo?

— Pergunta desnecessária, Alberto. Claro que estou de acordo!
O atelier ficava na cidade velha. Não era lá muito grande e apenas iluminado com a luz de velas pretas. Heike de estatura mediana, cabelos e olhos castanhos claros devia ter uns 28 anos.
Um amigo dela, o Christian, jornalista, já se encontrava no atelier quando os dois portugueses lá chegaram. Depois de beberem alguns aperitivos, foram jantar a um restaurante checo.

Ao sairem do restaurante, a Teresa e o Christian íam numa conversa tão animada, que nem repararam que a Heike o o Alberto tinham ficado para trás.

Só muito mais tarde é que deram conta, que os amigos tinham desaparecido.
Procuraram nos bares que a Heike costumava frequentar, mas sem sucesso.

Na manhã seguinte, apareceu o Alberto e contou o que lhe tinha acontecido na noite anterior.
Ao sair do restaurante escorregou na neve e partiu a cabeça.

A Heike levou-o ao hospital mais próximo, onde ficou para observações.
Estavam ambos pálidos e olheirentos. Teresa acordara com dores de garganta, dores no corpo e arrepios de frio, síntomes de uma gripe.

Não temos fome, mas uma canja quentinha reconforta-nos, disse ela dirigindo-se à cozinha.
Ao cair da tarde, apareceu o Manfred, um amigo alemão da Teresa.
Vinha buscá-la para passar a Noite de Consoada com a família dele.
Que podia a Teresa responder? Não! Não! Pobre Alberto.
Sentia o coração pesado, mas subitamente, egoísta, aceitou o convite.
Do que então se passou, não lhe ficou mais do que uma confusa recordação.
Lembrava-se com uma precisão nítida das palavras que a mãe do Manfred disse ao vê-la:

— A rapariga está a arder. Vou preparar o teu quarto para ela, e tu ficas no quarto de hóspedes. Entretanto, chama o médico de urgência.

Teresa melhorou da pneumonia e regressou à sua mansarda nos príncípios de Janeiro.
Grata pelos cuidados que a mãe do Manfred tinha tido com ela, mandou-lhe um lindíssimo ramo de rosas brancas através da Fleurop, o que a deixou arruinada para o resto do mês.

Um ano mais tarde, Teresa já não era a estrangeira, a estranha, o fruto exótico, que toda a família comprimida à porta da entrada olhava com curiosidade quando chegou lá a casa naquela Noite de Consoada — Teresa pertencia agora a essa família.

Por mero acaso, Teresa e Alberto encontram-se no Porto uns anos mais tarde —
bem, isso já é uma outra história.

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