Cenários políticos para o futuro: quase todos trágicos.



«Independentemente da investigação do Ministério Público e do que ela revela sobre o papel de algumas figuras e escritórios de advogados no acesso ao poder político, ao perverso padrão das escutas por arrastão e à forma deplorável como se despeja informação sobre o processo e as buscas na comunicação social, temos de ir falando um pouco do futuro. Sendo evidente que o Ministério Público falhou clamorosamente o primeiro teste do algodão, não sabemos o que decidirá o Supremo Tribunal de Justiça quanto ao envolvimento de António Costa. Nem se o decidirá antes das eleições. Mas podemos prever que a forma como esta demissão aconteceu e o risco de termos uma gestão política da fuga de informações tornam imprevisível o resultado eleitoral de 10 de março.

Podemos assistir à destruição do sistema partidário. Nos países onde isso aconteceu, ele nunca mais se reergueu, tornando-os ingovernáveis e não resolvendo a corrupção sistémica. Porque essa resolve-se no quotidiano rigoroso da justiça e com um escrutínio mediático sério, não com frágeis megaprocessos que pretendam abalar os alicerces do regime.

Parece-me evidente que PS e PSD não sonham com maiorias absolutas. É em blocos que temos de pensar. Um dos poucos resultados que poderia garantir alguma estabilidade política seria uma maioria à esquerda. A “geringonça” é natural para Pedro Nuno Santos. O problema é que este candidato tenderá a comer eleitorado do BE e do PCP. Claro que esta dinâmica pode não acontecer, por causa do desgaste do PS com oito anos de poder e por causa este caso. Aí, teríamos um governo do PS com apoio ou participação dos partidos à sua esquerda.

É curioso que o candidato centrista do PS tenha voltado às dúvidas que foram levantadas, em 2015, por Cavaco Silva contra a “geringonça”, que correspondeu ao governo mais bem avaliados pelos portugueses (e dos mais estáveis) neste século.

Também pode acontecer que o PS vença as eleições, por concentração de voto útil à esquerda, mas com uma maioria de direita, mais fragmentada. Repete-se a geringonça, mas agora à direita? Legitimo. Só que uma geringonça de direita teria de contar com o Chega. Imaginam a fragilidade de um governo em que o PSD fosse a segunda força e dependesse da extrema-direita? E quem poderia pedir ao PS para viabilizar um governo do PSD se a primeira força fosse o próprio PS?

A outra possibilidade é o PSD ficar em primeiro. Se conseguir uma maioria com a IL fica, como à esquerda, tudo resolvido. É outro resultado que nos pode oferecer estabilidade. Mas para isso suceder o Chega não poderia ter o resultado que hoje se prevê. Só o teria se a direita, no seu conjunto, conseguisse uma votação esmagadora. Não está com ar disso, mas, como digo, não fazemos ideia que ambiente teremos daqui a quatro meses.

Se o PSD ganhar, mas só conseguir maioria com o Chega, há três possibilidades: o Chega viabiliza o governo sem qualquer exigência, Montenegro faz um acordo com Ventura ou o PS viabiliza um governo PSD-IL. No primeiro ou segundo caso, teremos um governo de curta duração. Sem condições para pôr o Chega no governo, teremos um líder a quem o poder caiu no colo a ter de fazer concessões à extrema-direita para governar.

Se não tiver perdido por muito, Pedro Nuno Santos tem condições para se manter na liderança do PS, a que terá acabado de chegar – não é fácil responsabilizá-lo, recebendo o partido despois deste escândalo, por uma derrota digna – enquanto a direita, no poder, se afunda nas suas contradições. E a corda romperá em pouco tempo.

A alternativa proposta por José Luís Carneiro, do PS viabilizar um governo entre o Passos Coelho dos pequeninos e o mais radical partido liberal da Europa é muito difícil de vender. Alem de que dizer, neste momento, que se viabiliza um governo do PSD é dizer aos eleitores de direita que podem votar, sem qualquer risco, no Chega, que o PS lá estará para garantir a alternância. Tem o efeito exatamente oposto ao do PSD dizer que não governa com o Chega.

O novo governo terá um orçamento aprovado até ao final de 2024, só não terá como aprovar um retificativo. Mas não será Pedro Nuno Santos a garantir qualquer longevidade maior de um governo desta natureza. O PS escolherá um líder apagado para permitir essa solução, sustentando o governo mais à direita da nossa história democrática e entregando a liderança da oposição ao Chega. Não é difícil imaginar o que poderia acontecer ao centro-esquerda. Talvez, no meio desta crise, seja bom parar para pensar um pouco mais do que no curto prazo. Este é o momento para dizer que um voto no Chega impede soluções de governo.

Só dois resultados não são uma tragédia: uma maioria de esquerda ou uma maioria PSD-IL. Olhando para o cenário que se avizinha, não são os mais prováveis. Mas ainda a procissão vai no adro. Quando chegarmos ao fim deste processo, que não há razões para acreditar que venha a ter um fim diferente de outros semelhantes, se fará o balanço. Não é provável que se aprenda alguma coisa com isso. Quando as democracias entram em decadência e os seu necrófagos saem vitoriosos, as sociedades deixam, em geral, de conseguir fazer balanços.»

Li o artigo de Daniel Oliveira no blogue Entre as brumas da memória de JOANA LOPES 

Kommentare

  1. Li agora o artigo e acabei de ver parte de " O Eixo do Mal " onde ouvi Daniel de Oliveira expor a sua preocupação com o tipo de campanha eleitoral futura.

    Devo dizer que concordo totalmente com Daniel de Oliveira e partilho as suas preocupações.

    O futuro do país está muito longe de ser luminoso, segundo a minha opinião.

    Minha amiga, recebe um abraço com muita amizade e tristeza.

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    1. Teresa Palmira Hoffbauer11/17/2023

      No dia 19 de abril de 1973, socialistas portugueses fundaram o Partido Socialista (PS) em Bad Münstereifel. Após o golpe de 1974, o PS tornou-se um dos actores mais importantes para a democracia em Portugal. Em março de 2024 o Partido Socialista vai em cacos para as eleições.

      Daniel Oliveira analisa inteligentemente os cenários políticos para o futuro, que são, sem qualquer dúvida, quase todos trágicos.

      Tu perguntaste-me, São, se eu pensava em votar no CHEGA. Claro que NÃO.
      No Partido Socialista também NÃO.
      Todavia, não prescindo de votar 🗳

      Abraço forte e solidário nestes dias sombrios para a nossa pátria.

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  2. Os comentadores servem para animar a feira. Como dizia o Jel "e o povo pá e o povo?“

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    1. Teresa Palmira Hoffbauer11/17/2023

      Homens da Luta "E o povo, Pá?" são o melhor espectáculo nesta feira de vaidades.
      Alegria é o que se quer 😜
      Entretanto, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português evitam chatear o Partido Socialista, antevendo a possibilidade de uma nova geringonça.

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  3. Esse jogo de coligações é que vai a votos em 10 de Março.
    Assusta-me muito que o CHEGA possa ser fiel da balança à direita.
    Porque vão crescer, MUITO, e a tentação pode ser muito forte.
    Bfds

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    1. Teresa Palmira Hoffbauer11/17/2023

      Não acredito numa maioria de esquerda ou numa maioria PSD-IL
      Acredito mais na alternativa proposta por José Luís Carneiro.
      O CHEGA é o actor mais importante nas próximas eleições.
      E de quem é a culpa⁉️

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  4. É cedo para antecipar cenários. Porém, de uma coisa estou certo: o PS ganha as eleições.
    Depois, é uma questão de ajustes/acordos porque não acredito (nem gosto): maioria absoluta.
    O Chega deverá ser a terceira força política, o BE sobe e o PCP caminha para o fim. Como se espera.
    Um abraço, Teresa.

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    1. Acredito que o PS ganhe as eleições, mesmo sem o meu voto.
      O BE sobe à custa do Partido Socialista.
      O Partido Comunista Português já recebeu a extrema-unção.
      O partido alemão AFD, irmão do CHEGA, já é a segunda força política.
      Vamos lá ver no dia 10 de Março de 2024.
      Abraço da aldeia do Düssel.

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  5. Todos os cenários muito esclarecedores!
    Acredito no bom senso do povo e acredito que atravessaremos esta crise de cabeça erguida como já atravessámos outras.

    Abraço

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    1. Teresa Palmira Hoffbauer11/17/2023

      „Foi a procuradora-geral Lucília Gago a tomar a decisão de incluir parágrafo que revelava uma investigação criminal contra António Costa no comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a Operação Influencer tornado público a 7 de novembro.„

      Uma nódoa difícil de limpar.
      Uma grande desilusão para a maioria dos socialistas.

      Eu não acredito no bom senso do povo português e o CHEGA vai subir até ao céu.

      Abraço da aldeia do Düssel.

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