AO DE LEVE || Manuel de Brito Camacho
S. M. andou hontem pelos bairros pobres distribuindo esmolas no mais rigoroso incognito.
(Dos jornaes).
Que frio cortante, meu Deus!
O sol é como um brazeiro apagado, que ainda conservasse luz nas cinzas — uma luz fria e baça. O vento retalha-nos a cara, e põe nas pobres arvores sem folhas umas tremuras de velhinho, a esconder sob os farrapos as carnes enregeladas.
Que frio cortante. Deus do céu!
A miseria é insupportavel no inverno, porque tudo se conjuga para lhe dar uma agudeza de expiação, um requinte de pena biblica, sem laivos de misericordia. Não ha fogo no lar, não ha pão no armario, não ha cobertores no leito, ás vezes nem leito ha.
Que frio cortante. Senhor!
E é então que a Opulencia desce ao antro onde{32} agoniza o miseravel, pondo-lhe na mão ressequida o quanto baste para illudir a fome.
Mas porque haverá no mundo esta tremenda desegualdade, se lá nos altos céus existe uma justiça absoluta, e se existe cá em baixo uma vulgar noção do que seja a equidade?
Que frio cortante, meu Deus!
Dá vontade de morrer, para fugir d'este inferno, e ao mesmo tempo dá vontade de accender uma grande fogueira, a que se aqueçam todos os desgraçados.
Se os poderosos soubessem como se soffre no inverno! Ou não tirariam nada aos pobres, ou lhes restituiriam quanto lhes tiram, n'um desejo sincero e grande de fazer obra meritoria.
Mas elles nem sonham, meu Deus! como é horrivel a miseria no inverno.
Não suporto o frio!
AntwortenLöschenAbraço
O tema do texto de Manuel de Brito Camacho 1862 — 1934 nem é propriamente o frio. É sim, a hipocrisia dos poderosos com a sua caridade mesquinha.
LöschenEu vi mas não sei se já reparaste que cada vez escrevo menos.
LöschenAbraço
Realmente já reparei que cada vez escreves menos.
LöschenA tua nova arte de comunicação é absolutamente legítima.
Não te preocupes com isso, Leo.
Abraço forte e solidário 🍀
Minha querida Terezinhamiga
AntwortenLöschenConcordo inteiramente contigo. Já nesse tempo Brito Camacho, figura incontornável do parlamentarismo português criticava a chamada #caridadezinha"...
Küsse & Käse
Henrique
Descobri ontem „AO DE LEVE“ de Manuel de Brito Camacho — médico-militar, jornalista, político, publicista e escritor — e impressionou-me a sua terrível actualidade.
LöschenA miséria é horrível não só no inverno... e é uma indignidade.
AntwortenLöschenA caridade é a virtude de amar o próximo como amamos a nós mesmos.
LöschenÉ a atitude de agir com quem precisa, sem interesse e sem esperar nada em troca.
A caridade dos ricos e poderosos é de uma indignidade tão horrível como a miséria.
Um texto intenso, triste, como a pobreza debaixo de tanto frio. Gostei de ler!
AntwortenLöschen.
Numa viagem ao passado ...
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Beijos e uma excelente semana.
O texto de Manuel de Brito Camacho é uma viagem ao passado — escrito em 1913 — infelizmente de uma actualidade aterradora.
LöschenVery intense.
AntwortenLöschenwww.rsrue.blogspot.com
Very touching, indeed!!
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