O Donut de Eros



Hoje, duas pessoas me chamaram "amor": a minha mais-que-tudo e a mulher que me vendeu um donut no café da Trindade.  Isso fez-me questionar acerca do verdadeiro sentido e conotação da palavra "amor", a sua deturpação, a sua repetição, a exaustão da sua musicalidade. 
A mulher do café, feia que nem um bode, dá-me o donut a correr, eu agradeço e ela diz-me, numa despedida ao nível de um dramático filme romântico: «Adeus, amor».
Cheguei a questionar-me acerca da identidade daquela mulher. Será a minha verdadeira mãe? Será que, numa noite de bebedeira que já esqueci, me envolvi com aquela mulher e ela apaixonou-se pelos meus incríveis ossos? Não saberei. A verdade é que a mulher disse "amor" com as mesmas quatro letras com que Camões a chorou, Shakespear a dramatizou para Romeu a gritar; a mulher disse "amor" com a mesma musicalidade com que Eros a criou.
Se este uso exaustivo da palavra "amor" se propaga, que significação terá quando eu a disser? (eu digo, quando eu a disser a alguém que me faz sentir feliz, e não a alguém que me compre um donut...). Eu corro o risco de ainda ser vivo no dia em que alguém diz "amor" como forma de cumprimento.
Já ouvi dizer "amor" em troca de sexo. Mas em troca de um donut?...