A neve que o meu pé prende



Esta manhã ao abrir as persianas fiquei encostada à janela a ver cair a neve, que caía fortemente. Então, lembrei-me de uma história que a minha avó materna me contava, embora que no Porto nunca caísse neve.

A formiga com o pé preso na neve


Era uma vez uma formiga que andava na neve, entregue aos seus afazeres. A dado momento, a formiga ficou com uma pata presa na neve e, por mais esforços que fizesse, não conseguia libertá-la. A formiga virou-se para a neve e pediu-lhe:

— Ó neve, tu és tão forte que o meu pé prendes. Liberta o meu pezinho.

A neve respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é o sol que me derrete.

A formiga virou-se para o sol e pediu-lhe:

— Ó sol, tu és tão forte que derretes a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

O sol respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é a nuvem que me tapa.

A formiga virou-se para a nuvem e pediu-lhe:

— Ó nuvem, tu és tão forte que tapas o sol que derrete a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

A nuvem respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é o vento que me empurra.

A formiga virou-se para o vento e pediu-lhe:

— Ó vento, tu és tão forte que empurras a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

O vento respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é a parede que me impede.

A formiga virou-se para a parede e pediu-lhe:

— Ó parede, tu és tão forte que impedes o vento que empurra a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

A parede respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é o rato que me fura.

A formiga virou-se para o rato e pediu-lhe:

— Ó rato, tu és tão forte que furas a parede que impede o vento que empurra a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

O rato respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é o gato que me papa.

A formiga virou-se para o gato e pediu-lhe:

— Ó gato, tu és tão forte que papas o rato que fura a parede que impede o vento que empurra a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

O gato respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é o cão que me morde.

A formiga virou-se para o cão e pediu-lhe:

— Ó cão, tu és tão forte que mordes no gato que papa o rato que fura a parede que impede o vento que empurra a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

O cão respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é o pau que me bate.

A formiga virou-se para o pau e pediu-lhe:

— Ó pau, tu és tão forte que bates no cão que morde no gato que papa o rato que fura a parede que impede o vento que empurra a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

O pau respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é o fogo que me queima.

A formiga virou-se para o fogo e pediu-lhe:

— Ó fogo, tu és tão forte que queimas o pau que bate no cão que morde no gato que papa o rato que fura a parede que impede o vento que empurra a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

O fogo respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é a água que me apaga.

A formiga virou-se para a água e pediu-lhe:

— Ó água, tu és tão forte que apagas o fogo que queima o pau que bate no cão que morde no gato que papa o rato que fura a parede que impede o vento que empurra a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

A água respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é o homem que me bebe.

A formiga virou-se para o homem e pediu-lhe:

— Ó homem, tu és tão forte que bebes a água que apaga o fogo que queima o pau que bate no cão que morde no gato que papa o rato que fura a parede que impede o vento que empurra a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

O homem respondeu-lhe:

— Não posso. Mais forte do que eu é Deus que me governa.

A formiga virou-se então para Deus e pediu-lhe:

— Ó Deus, tu és tão forte que governas o homem que bebe a água que apaga o fogo que queima o pau que bate no cão que morde no gato que papa o rato que fura a parede que impede o vento que empurra a nuvem que tapa o sol que derrete a neve que o meu pé prende. Liberta o meu pezinho.

Deus, que tudo pode, libertou o pezinho da formiga. Esta agradeceu e foi toda contente para casa.

Kommentare

  1. Não conhecia esta estória.
    A formiga aprendeu a lição. Para a próxima será melhor dirigir-se imediatamente ao Deus todo poderoso. : )

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    1. Na altura em que a minha avó me contava esta história, ainda acreditava num Deus todo poderoso. A neve não prende o meu pé e já estou com um pé fora de casa ❄️ embora continue a nevar.

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  2. Estas histórias são muito engraçadas e trabalham sobretudo a memória.
    Ainda estas férias ouvi o meu filho a ler aos meus netos uma no género mas para o cómico, muito eles riam!
    Moral de história - é melhor começar logo por Deus! :)

    Abraço

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    1. Este é um conto tradicional da região da cidade do Porto, que eu ouvi muitas vezes quando era criança, embora a minha avó materna fosse transmontana. Comecei com Deus e acabei com ele, quando tinha quinze anos.

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  3. Rezar não é só pronunciar palavras mas é unir pela oração nosso coração ao de Cristo.



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    1. Acredito no Cristo histórico, mas não acredito num Cristo filho de Deus. No século XXI — pelo menos na maioria dos países — temos a liberdade de acreditar ou não na existência de Deus.

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    2. Que história tão fofinha!
      Abraço, Teresa.

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    3. As histórias da minha avó materna eram as melhores do mundo.
      Abraço, António.

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  4. Uma história encantadora, bem ao jeito das lengalengas destrava-línguas.
    Não conhecia e gostei!

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    1. A formiga e a neve, lengalenga tradicional portuguesa, que muito me admira que não a conhecesses, Janita.

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  5. Uuuffff! Li tudo. Esta história é boa para adormecer uma criança repetindo sempre o que vai ficando para trás. Estava bem memorizada.

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    1. Uma legalenga com repetição sequencial ideal para o exercício da memória ou para adormecer uma criança. Há outras versões, esta é do livro „Contos Populares Portugueses“.

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  6. Bonito...Tão bonito. Não conhecia! Obrigada pela partilha! :) 🌹

    Beijinhos-Boa noite!

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    1. „A Formiguinha e a Neve“ é um clássico infantil, que agrada a todas as crianças, e que todo o mundo já ouviu.

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  7. Neve também em Londres.
    E em Macau o calor a começar a apertar.

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    1. E aqui continua a nevar e o frio a apertar ❄️

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  8. Se se pode pedir a Deus para quê perder tempo a pedir a quem não tem o mesmo poder? Este conto é uma grande estória de vida. Só Deus tem o poder de mudar o destino. Mais nada nem ninguém.
    Quando estive de férias - há dois anos - em França, à noite, começou a nevar. Fiquei deslumbrado por tanta beleza... branca.

    Beijinho desde a zona de Lisboa.

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    1. A questão de Deus na filosofia foi sempre um imenso ponto de interrogação. Quem ou o que é Deus? Como se pode ou não provar sua existência? Foram essas as questões fundamentais que os filósofos, a partir dos pré-socráticos, se colocaram.
      Em resumo, a minha atitude é muito simples: tu acreditas que sem Deus, não se pode chegar do nada a alguma coisa. É claro que tu não podes provar que Deus existe e eu não posso provar que ele não existe. É tudo uma questao de fé.

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