FAUSTO I CENA II


Descoalharam-se os rios e ribeiros.
Bem haja a primavera! Já nos viça
por todas essas veigas esperança. 
O inverno, já caduco, aí vai buscando 
refúgio pelas serras. Pobre inverno!
ver como ainda está baldando raivas
por se vingar da fuga! e nós a rirmos
dos tiros mortos, que de lá nos lança,
granizo imbele, que realça os verdes, 
mal que um raio de sol os desmortalha.
Por toda a parte desabrolham vidas.
Que folgazão que é o sol! Como se alegra
de entrajar de matiz a natureza! 
Como ainda por aqui lhe minguam flores,
supre-as com tanta gente pintalgada.
Vira-te para trás! Desta eminência 
olha para a cidade; o formigueiro,
que do escuro da porta vem surdindo!
Não há quem neste dia não cobice
vir ao campo assoalhar-se. Este alvoroço
co’o ressurgir de Cristo, é clara mostra
de outra ressurreição em todos eles. 
— Da casa-sepultura, — das canseiras
da oficina ou do trato; — da estreiteza 
dessas vielas, que apelidam ruas,
— do soturno dos templos, — é o instinto 
quem os promove à luz. Vê com que anseio 
se atira a turbamulta ao campo, às quintas!
Que barcadas de gente jubilosa 
sobem, descem, transpõem a movediça 
veia do rio! Vê-me aquele bote
além, além, o último; de cheio 
já mete a borda na água; até as sendas
dos montes lá ao longe estão querendo
quebrar-nos olhos co’as garridas cores 
do gentio que as peja. Já cá chega
o estrondear da aldeia. O céu do povo, 
se há céu do povo, é isto; o rapazio, 
os homens feitos, tudo grita, salta, 
ri, tripudia. Aqui me sinto eu homem, 
e me é dado que o seja. 

FAUSTO 
Johann Wolfgang von Goethe
(1749-1832) 

Tradução 
António Feliciano de Castilho 
(1800-1875)

Kommentare

  1. Um quadro que faz lembrar as tertúlias dos estudantes. O poema é profundo, escrito numa linguagem ousada, quiçá difícil de entender. Uma forma diferente de escrever poesia que, confesso, gostei de ler

    Desejando uma semana abençoada

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    1. É uma ilustração de Peter von Cornelius, que mostra FAUSTO conversando e caminhando com Wagner, assim como passeantes de toda a casta, que vem saindo da cidade, a espairecer-se.

      A tradução de António Feliciano de Castilho é um tanto arcaica.

      Desejo-te uma semana a descobrir caminhos possíveis para a harmonia desejada.

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  2. Fausto, trazido a um momento
    é que é suicida ou criminoso
    promover a tal ajuntamento

    para combater a solidão
    é feio meter inveja

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    1. Um hino à Ressurreição da Natureza é um bálsamo para todos que sofrem com a COVID-19 🌾

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  3. Amanhã vou recorrer a outra ópera, a uma ária de uma famosa ópera, para caricaturar um famoso palhaço.

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    1. FAUSTO (1480-1541) não conversa e passeia com o Richard Wagner (1813-1883), mas sim, com um discípulo‼

      Não insulte os palhaços que dão tanta alegria à criançada‼

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  4. https://www.youtube.com/watch?v=ysKFHmBYmww
    Abraço e cuida-te !

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    1. Grata por me lembrares da ópera de Hector Berlioz: La Damnation de Faust. Abraço e cuida-te, Ricardo!! O meu bem-estar interior cresce de dia para dia 🌾

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