O NOBEL DE ATHISAARI E A DIPLOMACIA FINLANDESA

Laura C. Ferreira Pereira
Professora da Universidade do Minho

Historicamente falando, a trajectória da diplomacia finlandesa, em particular, durante a Guerra Fria, nunca gozou do devido reconhecimento junto dos principais círculos diplomáticos, por força do delicado equilíbrio que os líderes em Helsínquia tiveram de forjar entre o Leste e o Oeste. De resto, pode mesmo falar-se, em termos relativos, de má reputação. Esta ficou, notoriamente, consubstanciada na invenção de um termo, desde sempre enjeitado pelas autoridades políticas e diplomáticas finlandesas, para designar uma lógica de subserviência relativamente à União Soviética (US), que se desenvolveu sobretudo sob os auspícios do Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua, assinado com Moscovo, em 1948. Trata-se do termo "finlandização", que, na perspectiva de Helsínquia, sempre denotou um desconhecimento da realidade geopolítica e geostratégica que o país teve de gerir, com tenacidade, durante a Guerra Fria, de modo a evitar a sua inclusão no campo de influência soviético. Associado ao termo "finlandização" emergiu também a expressão "diplomacia da sauna" para remeter para a intimidade político-diplomática que se travou, em especial, entre o Presidente da República da Finlândia, Urho Kekkonen, e os sucessivos governantes do Kremlin - circunstância esta que induziu alguns, no campo ocidental, a percepcionar a presença, sob o longo consulado de Kekkonen (1956-1982), de um "Governo-fantoche" em Helsínquia.
Procurando explicar-me o incompreendido influxo exercido pela vizinhança soviética sobre os dirigentes finlandeses, durante esse mesmo período, o antigo primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros finlandês, Kalevi Sorsa, comparou-o, figurativamente, à experiência desconfortante de dormir com um elefante! Esta explicação, entre outras, acabaria por não vingar, nem tão-pouco evitar que o termo "finlandização" viesse a assumir uma conotação negativa no âmbito da gíria internacionalista. Tal ficou atestado num recente artigo produzido por Marcel H. van Herpen, director da Cicero Foundation (think tank holandês), intitulado "The Creeping Finlandization of Europe", que convocou aquele termo no contexto da incursão militar russa na Geórgia para enquadrar a "oscilação dos governos e políticos europeus entre o apaziguamento e o aberto apoio à política de recolonização da Rússia".
Quando, em 1992, Helsínquia selou com Moscovo, então capital da "nova" Rússia, um novo tratado de cooperação para substituir o pacto de 1948, a Finlândia sentiu que também ela tinha saído vencedora no fim da Guerra Fria por nunca ter sucumbido à pressão ideológica do Kremlin. A sua hábil linha diplomática tinha sido vindicada, pelo facto de o país ter conseguido sustentar o seu regime democrático, desenvolver uma próspera economia de mercado e cultivar laços cooperativos económicos, quer com as potências ocidentais quer com a US. No entanto, a história dessa vindicação terá passado despercebida à grande maioria da opinião pública internacional, em virtude da discrição que sempre pautou a acção externa do Estado finlandês.
A atribuição do Prémio Nobel da Paz a Martti Ahtisaari, apesar da sua índole personalizada, não deixa, por isso, de representar a projecção internacional da vindicação da diplomacia finlandesa, bem como o incremento do peso político-diplomático deste país junto dos seus pares europeus e, em particular, da vizinha Suécia, que já tinha conquistado um lugar cimeiro na política mundial com individualidades, internacionalmente reconhecidas, como Dag Hammarskjöld e Olof Palme.

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