JULHO


O ar morno do estio, o sangue mais veloz, o esplendor dentro e fora das criaturas. Julho, Agosto, Setembro e talvez uma parte de Outubro. Devagar, princesa, o caminho está escalavrado, não me torça os preciosos jarretes. Depois, esfria. O Outono, o Inverno. E aquece de novo. 
A Primavera, o Verão. Outra vez Julho. O retorno contínuo coincide com a Terra e as estações, mas não coincide connosco. A Terra tem o tempo que quer para rodar em torno do Sol e de si mesma, regressar, repetir-se. Nós, não. Andamos apenas para a frente. Vivemos uma vez, uma 
única vez, as nossas quatro estações e acabou-se. 
Cuidado, bem a preveni contra os barrancos, mas enfim, 
já vejo que não foi nada. Isso, mais junto da valeta o caminho é melhor. Devíamos perder certas ilusões (voltar atrás, recomeçar) arranjando um calendário só para nós, que não sugerisse nenhuma repetição. Do nascimento à morte, cada mês  teria um nome diferente, porque não podemos ser medidos pelos mesmos doze meses que a terra leva a renovar-se. Veja lá, não enrede as patas nas silveiras. Um calendário racional, sem invernos aos vinte anos nem primaveras aos oitenta, capaz de aferir o nosso desdobrar irreversível, até vir o dia em que Deus pega na tesoura e corta o fio.

Carlos de Oliveira —  PEQUENOS BURGUESES (1948). 

Kommentare

  1. Muito bem descrito e escrito a versão real da vida. As quatros estações que todos vivemos uma única vez. Nada se renova, somente a Natureza!

    Nunca li nada de Carlos Oliveira e gostei muito deste excerto - que presumo ser - de um seu romance.
    Julho chegou, ainda ontem era Janeiro!...

    Um abraço, querida Teresa!

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    1. É um excerto de Pequenos burgueses, transcrito da 4.ª edição (1972).

      Conheces o filme português (1971) de Fernando Lopes, Uma Abelha na Chuva? Pois é uma adaptação do romance homónimo do Carlos de Oliveira.

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  2. Jocamiga

    Gosto muito do Carlos Oliveira cuja prosa - tal com a transcrição diz e muito - e por isso transcrevo apenas um passo deste magnífico texto:

    «O retorno contínuo coincide com a Terra e as estações, mas não coincide connosco. A Terra tem o tempo que quer para rodar em torno do Sol e de si mesma, regressar, repetir-se. Nós, não. »

    Mas, venho informar-te que não voltarei aqui (o que não te deve importar nem muito nem pouco...)

    Tenho vindo cá, tenho comentado e tu - nicles na TRAVESSA. Pergunto-me: Porquê? Tratei-te mal? Insultei-te? Ofendi-te? Tenho a certeza de que não!...

    Ora como amor com amor se paga e quem não se sente não é filho de boa gente venho despedir-me para não te chatear mais. Auf Wiedersehen!

    klein Küssen

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    1. FICO MUITO LISONJEADA COM AS TUAS PALAVRAS..

      Leio sempre tudo aquilo que escrevas na tua TRAVESSA, Henrique, mesmo quando não comento.

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  3. Uma realidade a que não podemos fugir; façamos o nosso melhor para prolongar a estação que vivemos no momento, esperando que Deus (para quem acredita) faça a sua parte.

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    1. Uma reflexão muito pertinente à nossa existência humana.

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  4. Gosto pouco da mentalidade life is hard and then you die.
    Com alguns percalços pelo caminho, devemos seguir o Solnado e fazer o favor de ser felizes.

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    1. Carlos de Oliveira não tinha a mentalidade life is hard and then you die.

      O excerto de Pequenos Burgueses, é uma bela reflexão sobre o retorno contínuo das estações na natureza e as nossas quatro estações.

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  5. Uma maravilha a prosa (e a poética) de Carlos de Oliveira!! Um portento da Língua Portuguesa!

    Beijinhos. (Ah! E adorei aquela janela azul ali em cima!! - Adoro janelas!)

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    1. Carlos de Oliveira é um dos grandes escritores portugueses do século XX.

      Trata-se de uma réplica de uma janela tradicional francesa.
      Marcel Duchamp transforma "janela francesa" para o título "Fresh Widow", um trocadilho que aponta para a guerra e para a tradição do obsceno dos amorosos (ou "fresco"): as viúvas de soldados.

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