Se não sabe, tente adivinhar!

 
No escritório do pai do Diogo, o autor do Manifesto Anti-Peixoto, encontrei um livro de poemas de JOSÉ LUÍS PEIXOTO "Gaveta de Papéis", poesia para ler no avião ou no combóio, a caminho de São Francisco, Abidjan ou Madrid.

FOTOGRAFIA DE SÃO FRANCISCO

São Francisco és tu e são as tardes que passávamos
no sofá, sentados ou deitados de todas as formas,
em todas as direcções. Não guardo ressentimentos
de São Francisco e chegará um tempo em que,
de novo, seremos capazes de passar um fim-de-semana
entre chapéus de sol e sol. A Califórnia não é eterna,
mas há um certo tipo de silêncio que se procura
sempre e que se encontra apenas muito raramente.
Esse é o teu brilho, São Francisco. Vais ver, teremos
camisas de flores coloridas e saberemos rir-nos
de tudo. E, contra todas as expectativas, quando
um de nós estiver a morrer, o outro estará lá.

FOTOGRAFIA DE ABIDJAN

Abidjan tem cicatrizes nas ancas.
Cuidadoso, pouso as mãos noutro lado,
seguro Abidjan pela cintura.
Não porque as cicatrizes sejam dolorosas,
há muito que Abidjan se habituou a elas,
mas porque me fazem impressão a mim.
As cicatrizes de Abijan foram-lhe feitas pela avó
com um ferro em brasa, quando era criança.
Eu e Abijan bebemos garrafas de coca-cola.
Seguramo-las como algo valioso,
somos senhores por um momento.
Abidjan diz: mostra-me o teu quarto,
e eu, não sou capaz de resistir.

FOTOGRAFIA DE MADRID

Madrid regressará sempre. São precisos anos
para aprender aquilo que apenas acontece com
a distância de anos. É por isso que posso afirmar
que Madrid regressará sempre. Não sei que tipo
de entendimento encontrámos. Eu e Madrid não
nos conhecemos bem. Sabemos o essencial e
inventamos tudo o resto. Tanto a minha vida,
como a vida de Madrid, já tiveram muitas formas.
No entanto, quando nos encontramos, somos
sempre o mesmo nome. Avaliamo-nos por
cicatrizes e pequenas marcas de idade.
Não estabelecemos metas, estamos cansados.
Eu e Madrid só queremos uma cama, mas,
se não houver, contentamo-nos com o chão e,
se não houver, contentamo-nos com um abraço.

JOSÉ LUÍS PEIXOTO, in "Gaveta de Papéis"/ Edições Quasi
 
A critíca ao JLP no blogue O Banquete, despertou em mim, uma vontade violenta de conhecer a obra e a tatugem deste autor português.

Kommentare

  1. Nunca li nada dele...
    Estive a ler o manifesto :)
    Fiquei com vontade de ler qualquer coisa!
    xx

    AntwortenLöschen
  2. Se te quiserem convencer de que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, não prescindimos de um único passo do seu/nosso caminho.

    Sabemos bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão-de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos.

    Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram.

    O único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos.

    Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direcção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível é não teres voz.

    José Luís Peixoto, in 'Abraço'

    AntwortenLöschen
  3. "Não morri
    Se tivesse morrido nesse dia, faltava uma grande quantidade de acontecimentos enormes na minha vida."
    in Visão - 18/6/12

    AntwortenLöschen
  4. "Debaixo da roupa, estamos todos nus."

    "Desde que cobri o braço esquerdo com tatuagens que sei aquilo que sentem as mulheres com decotes.
    É muito frequente o olhar das pessoas que estão a falar comigo fugir-lhes para o meu braço. Depois, disfarçam.

    No caso dos piercings, é mais inconsciente. Estão a falar comigo e, de repente, começam a ter comichão na sobrancelha, exactamente no lugar do meu piercing."
    .

    AntwortenLöschen
  5. "A Mulher Mais Bonita do Mundo"

    "Estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
    flores novas na terra do jardim, quero dizer
    que estás bonita.

    entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
    abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
    de ouro.

    entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
    se tocasse a pele do teu pescoço.

    há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

    estás tão bonita hoje.

    os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

    estás dentro de algo que está dentro de todas as
    coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
    a beleza.

    os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

    de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
    estás tão bonita é aquilo que quero dizer."

    José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

    AntwortenLöschen
  6. Ainda não li nada dele. Gostei das citações nos comentários, mas li também o post em link à direita do blog O Banquete...

    AntwortenLöschen
  7. Há tanta coisa que não sei... mas sei que é José Luís Peixoto na foto! :)

    "Existiram domingos. Olhando para trás, é impossível evitar a sensação de que muitos foram desperdiçados. Hoje, sinto que me bastaria apenas mais um domingo para conseguir resolver tudo. Logo a seguir, sinto que talvez não. Logo a seguir, tenho a certeza de que sim. Um único domingo, desde a manhã, sempre clara e inconsciente, um dia inteiro para aproveitar, desperdiçar até ao começo da noite: ilusão criada por um planeta que gira sobre si próprio."

    "Cemitério de Pianos", de José Luís Peixoto

    Beijocas!

    AntwortenLöschen
  8. Agradeço a vossa participação.

    Afinal um desafio fácil, porque o JLP é um autor bem conhecido do público português.

    AntwortenLöschen
  9. Lei "Livro" e já vai conhecer muitos desses segredos.

    AntwortenLöschen
  10. Tenho quase toda a obra dele, inclusive a "Gaveta de Papéis", estou a ler um livro de crónicas de viagem dele como se pode ver no meu blogue.
    As suas crónicas na visão são deliciosas e estão reunidas no livro Abraço.
    Em termos de literatura de ficção, gostei muito dos primeiros livros dele: "Uma casa na Escuridão", embora seja uma fábula pessimista, distópica e deprimente para muitos e de "Nenhum olhar" a minha obra predileta. Os mais recentes parecem-me que são mais comerciais do que os iniciais e refletem a necessidade de publicar frequentemente para garantir a sustentabilidade o autor e isso reflete-se na qualidade da obra.

    AntwortenLöschen
  11. Sobre as tatuagens e piercings :

    http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=1942656&especial=Made%20in%20Portugal%20-%2031%20Entrevistas%20em%20Agosto&seccao=SOCIEDADE

    http://www.joseluispeixoto.net/24052.html

    .

    AntwortenLöschen
    Antworten
    1. Agradeço-te, Rui, o link sobre tatuagens e piercings do JLP.

      Não acredito, que algum autor alemão, mesmo dos mais modernos, tivesse a coragem, o humor ou o mau gosto de aparecer na blogosfera, quase nú, a mostrar as suas tatuagens.

      Löschen
  12. Ematejoca
    Eu creio que esse facto (um escritor aparecer quase nu e com tatuagens e piercings) não seja relevante para o conceito de qualidade ou não da sua obra. É um pouco como o “artista”, de qualquer arte e acho quase equivalente à orientação sexual, que também não o será !
    O escritor ou o artista, trabalham para si e para quem estiver interessado na sua obra e não têm que “parecer bem” ou mal , perante os outros.
    Quantas vezes uma aparente "diferença", relativamente aos outros até contribui para uma “imagem de marca” ?!...
    Já se tratasse de uma figura pública a nível político, ou financeiro, por exemplo, que tenha que “responder" perante uma sociedade, aí sim, perderia muito da sua credibilidade, porque esse tem uma função que implica com os outros e tem obrigação de aparentar equilíbrio, seriedade e respeito, um pouco como a “mulher de César” !
    .

    AntwortenLöschen
    Antworten
    1. Para mim, Rui, um escritor é uma figura pública que tem de manter a sua credibilidade e de não se comercializar como faz ùltimamente o JLP, tanto com a sua obra como com o seu corpo.

      Concordo contigo, que o JLP tem a liberdade de fazer o que lhe apetece, e logo que a qualidade da sua obra não sofra com isso, tudo bem.

      Já agora, gostava de ver as tatuagens do António Lobo Antunes.

      Löschen

Kommentar veröffentlichen

Beliebte Posts aus diesem Blog

Jo Nesbø: Ciúmes