Os Três Pintelhos do Apocalipse Mediático

É um fenómeno recorrente que as notícias de questionável relevância acabem por ser das mais debatidas. Esta última semana foi pródiga da proliferação de pintelhos catroguianos. Dois a nível local, um nos inevitáveis Estados Unidos, onde os pintelhos compõem um denso matagal. Como pintelhos que são, optaria sempre por ignora-los. No entanto, a dimensão que atingiram merece ser comentada. Para ser breve e sistemático, algo que raramente sou, dedicarei um parágrafo a comentar cada um destes assuntos mediáticos, sem me alongar na desnecessária contextualização.

O caso do cão Zico e da comoção que o seu abate está a provocar é porventura o mais perturbador, porque contém várias provas de que o enlouquecimento do povo não é esporádico nem circunstancial. É, no entanto, baseado em premissas voláteis, sem sentido e, consequentemente, perigosas. A onda que se espalhou contra o abate do cão que matou a criança é das mais assustadoras provas de que as pessoas ainda não perceberam muito bem até onde pode chegar a questão da defesa dos animais. Quando chega a este ponto, é um fanatismo bem mais perigoso do que aquele seguido pelos defensores das touradas. Podem dizer o que quiserem sobre a santidade dos animais, da sua dor, da sua categoria na natureza ser a mesma que a nossa; nunca me convencerão de que o pitbull em questão, ou qualquer outro animal da história do planeta, conseguirá sentir um milésimo da dor que os pais da criança estão a sentir, ao verem que a sociedade se preocupa mais em salvar o cão do que em manifestar desagrado pela morte do filho; e, no processo, prefere culpar os pais enlutados. Se me dessem a escolher entre uma caneta para assinar uma tão desprezível petição e uma caçadeira para matar o cão na hora, os dentes que perfuraram o crânio de um bebé de 18 meses iam ficar estilhaçados com o chumbo. Daniel Oliveira escreveu no Expresso tudo aquilo que eu mais poderia dizer sobre o assunto, e prolongar-me mais seria parafrasea-lo. O próprio artigo do cronista originou polémica, e quase todos os que se opunham à sua opinião faziam-no com a ressalva "Eu concordo com quase tudo o que ele normalmente diz, mas neste assunto não". Eu assumo que comigo passou-se exactamente o oposto.

Passemos ao caso de um animal ligeiramente mais racional: a famigerada Pepa. A Pepa foi crucificada em praça pública por manifestar um desejo consumista: atingimos o cume da montanha da hipocrisia. Mais uma vez, temos um caso de má interpretação de valores. Tudo o que fuja ao politicamente correcto é escandaloso. Isso não é ter valores, é histeria e vício de indignação, sem deixar de referir o preconceito incrível sobre a senhora pela pronúncia dela. Se houver uma petição para oferecer uma mala à Pepa, eu assino e contribuo.

Por fim, temos o caso de Massoud Adibpour, um jovem que está a fazer furor nas ruas de Washington, ao exibir mensagens de optimismo a condutores e transeuntes. Essa pequena gota de óleo contaminou já o oceano que é a internet, e o rapaz prestou já declarações a vários meios de comunicação internacionais. Eu tenho uma opinião muito própria sobre o optimismo, que aqui exponho: a felicidade e as expectativas têm de ser sempre relativas às circunstâncias da realidade. A felicidade é sempre moldada pelos factos. Se os factos forem positivos, a sensação resultante é boa. Se os factos forem negativos, os sentimentos serão conformes. Se as coisas não decorrerem desta forma, algo funciona mal. Ser optimista é ser feliz em más circunstâncias. É louvável, mas anormal, e irresponsável. O copo, muitas vezes, não está só meio cheio. Está meio vazio, e é preciso encarar essa metade vazia como tal. Senão vamos ficar surpreendidos quando o copo chegar ao fim, porque não consideramos que metade já não existia. Em relação a este rapaz em específico, aparenta ser um anormal que tenta espalhar motivação pelas pessoas que se deslocam aos seus trabalhos, para fazerem algo de realmente produtivo com a sua vida.

Deixo aqui também, não uma petição, por ser mais improdutiva do que aquela que pedia a demissão de Miguel Relvas, mas um sincero pedido: ignorem os pintelhos. Eu, excepcionalmente desta vez, não os ignorei para ilustrar o quão irrelevantes estes deveriam ser. Não comentem, não discordem, não concordem, não se indignem, não partilhem, não coloquem "gostos" no Facebook. Só assim vamos, a pouco e pouco, criar um espaço de discussão pública em que o Zico, a Pepa e o Massoud terão o fim que todos devemos concordar: o seu abate. Mas outro tipo de abate: o mediático.

Diogo Hoffbauer

Kommentare

  1. Eheheh, também escrevi sobre estes assuntos, à exceção do tal Massoud que felizmente nem ouvi falar! E concordo com o Diogo em quase tudo. Quer dizer, nada contra que façam uma petição para angariar fundos para a mala da Pepa, mas lá contribuir é que não. Nem faltava mais nada! :)))

    Não concordo nem discordo de Daniel Oliveira na questão do cão, não tenho opinião firmada sobre o assunto. E às vezes concordo com ele, outras não. Que alíás é o que se passa em relação a outros comentadores políticos! Ainda não encontrei nenhum que partilhe as minhas ideias a 100%... :)

    Beijocas!

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    1. Enquanto tu estavas aqui a escrever o teu comentário, Teté, estava eu no teu blogue a tentar mandar o meu comentário, que só consegui à terceira vez.

      Não preciso de estar de acordo com o Diogo para publicar o seu artigo na rubrica NA ROTA DOS BLOGUES AMIGOS. O tema é bem actual e o texto está bem escrito.

      Quanto à questão do pitbull, amiga como sou de animais, assinava todas as petições contra o seu abatimento.

      Tal qual como tu, também ainda não encontrei ninguém que partilhe as minhas ideias políticas a 100%, mas aceito e tento compreender as opiniões dos outros.

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  2. Damos tanta importância a "pintelhos" e deixamos de parte as coisas importantes do dia! Enfim, que fazer?

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