INSOMNIA

Poderiam ser imagens do que antecede ou se segue ao telefonema que uma mulher faz ao amante que a abandona. Poderiam ainda ser imagens de uma das várias interrupções dessa pungente despedida, perturbada por linhas cruzadas e interferências. De facto, não são, mas poderiam ser. Porque o conjunto de fotografias a preto-e-branco, sem títulos, que Carlos Medeiros nos propõe em Insomnia parece intersectar a atmosfera e a personagem ferida de A Voz Humana de Jean Cocteau. Se o espectáculo que Carlos Pimenta e o Ensemble propõem na sala do TNSJ se projecta num horizonte nosso contemporâneo, as fotografias de Carlos Medeiros expostas no Salão Nobre recuam face ao tempo que passou, aproximando-nos antes dos anos 1930 e 1940, a época em que o monólogo de Cocteau se estreou e conheceu, primeiro, o escândalo e, depois, uma invulgar fortuna. Inspirada no imaginário do film noir, utilizando sombras dramáticas e alto contraste, Insomnia oferece uma narrativa densa, sem desfecho. Um telefone mudo, a janela de estores corridos, a passagem das horas no relógio de parede: tudo aqui nos fala de uma mulher abandonada à espera e, talvez, ao seu desespero.

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