Privado

Cruel é a vida em que as fantasias são recorrentemente derrotadas por uma severa realidade. Sou estudante de jornalismo, como os restantes autores deste blog, e há muito já se foi a delirante esperança, que durante largos anos foi por mim alimentada, de que o mundo jornalístico era, acima de qualquer valor, uma máquina informativa. Sempre fui céptico em relação a uma isenção moral completa quando se trata de negócios, mas o escândalo que levou ao fecho do News of the World teve um condão de me provocar sentimentos antagónicos. Surpresa não foi um deles. Ainda assim, uma certa sensação agridoce que temos quando confirmamos que estávamos certos em relação a algo que não queríamos estar: o estado do mercado jornalístico está de tal forma crítico que já não se trata de ignorar regras por dinheiro; há, em todo o escândalo, uma certa perversão que o senso comum, mais do que códigos deontológicos, devia controlar.
Proponho, no entanto, que carreguemos o fardo de sermos optimistas numa altura necessária e em que dificilmente mais alguém o será. O desaparecimento de um tablóide não deixa de ser boa notícia. Sentimos, de repente, o ar ligeiramente mais puro. O optimismo que me propus carregar leva-me a esperar o seguinte: que uma consciência comum de limites entre as liberdades individuais e os negócios informativos seja forte o suficiente para, um a um, acabar com os ignóbeis órgãos de jornalismo cor-de-rosa e, desta forma, que as próximas gerações cresçam sem esta hierarquia de prioridades em que informações sobre a vida privada de famosos e familiares de vítimas de guerra assumem tal importância que as mais básicas condutas morais, não do jornalismo mas da vida em sociedade, são quebradas. Não me parece que seja exigir muito à espécie humana, não que percam o egoísmo, mas que não se aproveitem dele para exigir informações sobre os outros só porque não aceitamos que não somos perfeitos.

Diogo Hoffbauer Malheiro Dias

Kommentare

  1. Este tema dá pano para mangas! E confesso desde já não estar inteiramente de acordo com o Diogo!

    Acabar de vez com as revistas cor-de-rosa? Mas essas até são as que têm mais vendas! No dia em que isso acontecer, o jornalismo está moribundo. Porque obviamente os leitores dessas revistas não vão passar a comprar o "Expresso" ou afins para se manterem informados - pura e simplesmente deixam de comprar!

    Custe a quem custar, nomeadamente ao jornalismo dito "serious", o comum dos mortais está mais interessado em intrigas e boatos, em ver as fatiotas do jet-set, em saber se a actriz A se divorciou do C, do que propriamente em saber o que está a acontecer no próprio Parlamento. E não é só em Portugal, note-se, também um pouco por todo o mundo. Nisso e nos jornais desportivos, que em épocas sem campeonato também se fartam de inventar boatos de contratações clubísticas ou outras, para ir "enchendo chouriços"...

    Mas, em abono da verdade, preocupa-me muito mais que os jornalistas supostamente sérios, que antes de escrever a notícia deviam indagar todos os envolvidos, muitas vezes se "esqueçam" de o fazer, ignorem factos e debitem mais as suas opiniões parciais do que dêem notícias. E isso, infelizmente, acontece cada vez mais! Crónicas e artigos de opinião à parte, que é para isso que esses servem, mas só lê quem quer.

    É óbvio que a isenção total é uma utopia, mas o trabalho do jornalista deve cingir-se aos factos e a indicar os pontos de vista das partes envolvidas, muitas vezes discrepantes. No dia em que chegar a cronista, aí sim, terá toda a liberdade de escrever sobre aquela nuvem cinzenta, que tem a forma de um anjinho, se bem lhe apetecer... :)

    Como nota, acrescento ainda que antigamente os estagiários de jornalismo eram pressionados a adjectivar o mínimo possível os seus artigos! Só para não caírem na tentação... :D

    Dito isto, claro que gostei do texto! A minha opinião é que não é semelhante...

    Beijocas, Teresa e Diogo!

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