AINDA QUE SEJA de José Saramago

Seja a noite mais negra, e mais profundo,
E gelado, e sombrio o mar dos monstros.
Seja o olho de Deus como o da cobra:
Uma fenda de escamas numa pedra.

Seja o centro da terra fogo ou cinzas,
E mais torta e sulfúrea a cicatriz
Dos incêndios que vão de lado a lado
Desta face mesquinha, lamentável.

Seja a rua mais longa e descoberta,
E mais alta a parede que ao fim dela
Da suspensão do passo faz comércio
De panos baços e ouros sem contraste.

Seja o fruto mais podre e enganoso,
Entre a mão e o trigo a aranha preta.
Seja o calor do sol outro fantasma
Na frieza da gruta dos espectros.

Seja o mundo mordido e toda a carne
Pelas mandíbulas disformes ou ventosas,
Ou agulhas mortais de quantos seres
Doutras terras do céu desçam a esta.

Seja lá o que for, ou venha a ser,
Ou tenha sido em dor e agonia, E
Em miséria, pavor e amargura,
Se o teu ventre se abre e me procura.

Kommentare

  1. Há coisas que não posso comentar
    simplesmente porque não sei
    sei o que pensar
    mas sou impotente para o expessar

    Um beijo
    (ainda não será hoje que falarei da História do Cerco de Lisboa)

    AntwortenLöschen
  2. Olá,

    espero que não tenha levado a minha observação como uma crítica,

    não ficou link.

    Tudo de bom,

    Edgar Semedo

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