BELONGING de Peter Cann no Teatro Carlos Alberto do Porto


Fazem “teatro do mundo rural, no mundo rural” e ao longo de um percurso de 20 anos o Teatro Regional da Serra do Montemuro acrescentou “para o mundo”, conferindo expressão prática ao aforismo “o universal é o local, sem paredes”, de Miguel Torga.
Da aldeia de Campo Benfeito para a selva das cidades, Belonging é um projecto que nasce uma vez mais dessa mundividência itinerante: criado e produzido com a companhia britânica Foursight Theatre (sedeada em Wolverhampton), estreia absoluta no Teatro Carlos Alberto (naquela que é a primeira vez que os destinos do regional do Montemuro se cruzam com o nacional do Porto) e uma extensa lista de destinos nacionais e internacionais. Objecto bilingue, musical e de uma fisicalidade vibrante, Belonging coloca no centro da história que nos quer contar uma ama, um talhante e uma rapariga que chega um dia com um bebé e uma acusação. Entre o lírico e o grotesco, estas personagens encontram criaturas saídas do imaginário das nossas lendas, contos de fadas, mitos urbanos.
E juntas constroem uma fábula sobre as alegrias e os desastres dessa coisa a que chamamos identidade.


Dezoito anos depois de uma oficina de teatro na aldeia de Campo Benfeito (perto de Castro Daire, no distrito de Viseu), o Teatro Regional da Serra do Montemuro [TRSM] afirma-se hoje com um perfil artístico singular em relação à maioria das companhias portuguesas e bem preparado para responder ao mercado de circulação de espectáculos. Apesar do desequilíbrio estético de alguns espectáculos, todos parecem ter a honestidade de quem experimenta por curiosidade, e a mais-valia de defender, desdobrar, tornar visível a riqueza cultural do folclore serrano português.
E mesmo sendo esta a imagem de referência do TRSM, e aquela que a distingue de outros grupos, e a protege, o grupo não se tem mostrado preocupado com influências, tendências ou etiquetas, preferindo um dinamismo de criação constante.
No início dos anos 1990, os habitantes mais velhos de Campo Benfeito, os pais dos actores, viam o teatro como uma desculpa dos filhos para fugir ao trabalho no campo. Hoje, o grupo conseguiu legitimar a sua actividade como uma saída profissional e, sobretudo, ao definir-se como mediador cultural, entre campo e cidade, entre passado e presente, definiu o espaço geográfico e afectivo dos seus espectáculos: a serra, a ruralidade, o teatro como agente comunitário.

Pedro Manuel - Excerto de “TRSM: Pão, Amor e Máscaras”. Obscena: Revista de Artes Performativas. N.º 9 (Fev. 2008). p. 64.

Kommentare

  1. Tive oportunidade, em 2001 ou 2002, de fazer uma reportagem em Campo Benfeito sobre este grupo.
    Voltei lá, algum tempo depois, para fazer uma outra reportagem sobre uma cooperativa de bordadeiras que tiveram que travar grandes lutas domésticas para concretizar o empreendimento.

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  2. Interessante proposta cultural.

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