Hedda Gabler, de Henrik Ibsen no Teatro Nacional São João do Porto


Hedda é a resposta por escrito de José Maria Vieira Mendes a uma pergunta de Jorge Silva Melo: “Será possível voltar a Ibsen?” A longa didascália que abre Hedda Gabler (1890) de Henrik Ibsen – atafulhada de móveis, bricabraque, bom gosto burguês – é pulverizada pelo dramaturgo português, que começa a sua Hedda com ela a dizer-nos “Diz”. E este verbo tão performativo, dito com uma urgência conjugada no presente do indicativo, é todo um programa, e parte da resposta ao repto lançado pelo encenador. Sem actualizações, violentações ou cinismos pós-qualquer-coisa, Vieira Mendes reescreve Ibsen para nos devolver personagens capazes de voltar a assombrar o nosso quotidiano vivencial, como se lhes perguntasse, perguntando-nos: “Quem és, o que queres, o que te traz aqui hoje?” Nem Gabler nem Tesman, nem a filha do seu pai nem a mulher do seu marido – Hedda é simplesmente Hedda, ou a tremenda Maria João Luís no lugar dela. E a sua solidão, no caminho para o suicídio, é um assunto que nos toca a todos.


Ouvi dizer (e suspeita-se de erro tipográfico, embora alguns prefiram pensar que foi vontade do escritor) que Moby Dick acabava com o naufrágio e com a morte de Ismael, o narrador. Reza também que, à conta disto, as primeiras recensões à época acusaram o romance de incongruência: Se ele morreu, como pode então contar? O “erro” foi corrigido na segunda edição e o capítulo final – “Só eu escapei para to contar” – retoma a frase bíblica dos sofrimentos de Job. O “erro” que em Hedda se pretende corrigir é, precisamente, essa suposta correcção. Hedda não só morre como escapa para o contar.

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