História de Natal

Vanessa chegou mais cedo a casa, dirigindo-se imediatamente à cozinha, onde se encontrava a mãe a preparar o almoço.
— Mamã, posso falar contigo?
— Agora não! Estou atrasadíssima e os teus irmãos chegam daqui a pouco. Estive toda a manhã a decorar a sala; como sabes, o Natal é bonito, mas dá muito trabalho.
— Eles ainda demoram. Eu vim mais cedo para casa.
Não tive aula de alemão, o meu professor ficou em casa doente.
— Mesmo assim, estou atrasada e não tenho tempo para te ouvir. Não pode ficar para depois do almoço?
— Mamã, preciso de falar contigo já. É um assunto muito importante.
— Porque é que os meus filhos têm sempre coisas importantíssimas para me dizer à hora do almoço? Já é uma praga!
— Mamã, por favor!
— Está bem, Vani, então diz lá.
— Hoje na aula de moral o nosso professor pediu para não esquecermos o significado do Natal. O Natal é a festa do nascimento de Jesus, que veio ao mundo para nos salvar. Temos que manter com as nossas obras e acções a mensagem de amor que Ele nos trouxe.
— Vani, queres dizer, que este ano não queres presentes?
— Não é isso, mamã! Tu trocas sempre tudo. Podemos manter o Espírito Cristão do Natal mesmo com presentes.
— Então, o que me queres dizer com toda essa conversa?
— O meu professor sugeriu, que seria um gesto bonito convidar um sem-abrigo para festejar a Noite de Consoada com a família.
— É um gesto bonito e muito cristão, não haja dúvida.
— Queres dizer, que concordas em convidar um sem-abrigo para consoar connosco?
— Connosco? Por amor de Deus! Não foi isso o que eu disse, Vani. Eu só disse, que era um gesto bonito e cristão.
— Mamã, tu achas a ideia boa, mas não a queres praticar, é isso?
A mãe horrorizou-se só de pensar numa Noite de Consoada com um sem-abrigo - numa sala que tanto trabalho lhe dera a decorar. Resignada respondeu:
— Está bem, Vani, vou pensar nisso, mas agora deixa-me fazer o almoço.

Vanessa cantava no coro da igreja. Todos os domingos lá estava toda a família no banco da frente a assistir à missa e para a ouvir cantar.
No 3º Domingo de Advento o padre Gregor dirigiu-se aos fiéis após o sermão, dizendo a mesma coisa que a Vanessa tinha dito dias antes. Também ele falou solemente sobre o significado do Natal, terminando com as palavras, de que seria um acto cristão e do agrado do Senhor, se cada família convidasse na Noite de Consoada um sem-abrigo ou um estrangeiro.
— Alto lá! Então, os estrangeiros são considerados uns sem-abrigo, disse a mãe entre dentes.
A caminho de casa foi a mãe a primeira a falar:
— Vani, e se convidássemos um estrangeiro em vez de um sem-abrigo?
A filha olhou para ela surpreendida
— Se preferes, podes convidar um estrangeiro.
A mãe suspirou aliviada.

Por volta das 4 da tarde do dia 24 de Dezembro toda a família se reúniu na igreja da paróquia, sentando-se no primeiro banco para assistir à missa de Natal para as crianças . A Vanessa cantou no coro e a Vivien foi um dos pastorinhos na cena do presépio. No final da missa houve as habituais trocas de Boas Festas no adro da igreja. Um ambiente quente e acolhedor esperava a família em casa, sendo o enorme presépio e a àrvore de Natal decorada a primor o encanto de todos.
Da cozinha não chegou a fumegar o bacalhau com todos, a ceia da consoada da mãe noutros tempos; da cozinha chegou sim, um cheirinho a ganso assado recheado com castanhas.
Entretanto a Vanessa começou a ficar impaciente.
- Quando chega o nosso convidado, mamã? perguntou ansiosa.
Maliciosa a mãe sorriu.
— Já chegou, minha querida. SOU EU!
Perplexa a Vanessa olhou para a mãe.
Embaraçada e extremamente aborrecida por ter enganado a filha, tenta explicar o que tinha feito:
— Querida, eu já estava disposta a convidar um sem abrigo para passar a Noite de Consoada com a nossa família, quando na missa o padre Gregor deu aos fiéis a opção de convidarem um sem abrigo ou um estrangeiro; optei por um estrangeiro e tu concordaste.
— Concordei, sim. Mas tu afinal não convidaste nenhum estrangeiro.
— Convidei, sim. Convidei-me a mim própria.
— Mamã, mas tu não és estrangeira.
— Tu sabes muito bem que nasci em Portugal.
— Em Lamigu! Em Lamigu, gritou triunfante o Jochen.
— Em Lamego, Jochen! Já que te metes na conversa pronúncia ao menos correctamente o nome da minha terra.
— Para nós não és estrangeira, - disse a Vanessa docemente.
— Aqui na Alemanha sou eu a estrangeira. Em Portugal sóis vós os estrangeiros.
— A vossa mãe — interferiu o pai irritado — é mais alemã do que o próprio Papa.
— Tenho uma gota de sangue francês; uma gota de sangue espanhol, mas não tenho uma única gotinha de sangue alemão. Capito!
— A mamã envergonha-se de ter uma bisavó espanhola.
— Cala-te, Jochen, não gosto que digas disparates.
— Tu não gostas dos espanhóis? insistiu o Jochen.
— Isso já é uma outra história.
Passada a algazarra o pai virou-se para as crianças num tom conciliador:
— Agora vamos cantar e ver o que é que o Menino Jesus nos trouxe, enquanto estavámos na missa.
Durante o jantar a mãe observou-os a todos disfarçadamente. A Vanessa não erguia os olhos do prato. A mãe sentiu uma pena enorme da filha.
A meio da noite, como visse luz no corredor, a mãe levantou-se e fui bater ao de leve à porta do quarto da Vanessa. Estava sentada na cama e lia um livro.
— Ó minha querida, como sou má — disse a mãe entre soluços, abraçando-se à filha desesperadamente.
— Mamã, tu não és má. Tu és diferente!

Kommentare

  1. Hummm... nem vou dizer mais nada... :)

    Beijocas!

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  2. Texto fantástico!
    Não convide o papai noel e seus duendes na ceia de Natal...Só o aniversariante. Adorei a seu texto como tudo que você faz. Arte da escrita e imagens! Beijo e um Feliz Natal!

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  3. Teresa

    Ainda não parei de rir depois de ler a tua memória!!! ihihihihih!

    Eu gostava de ver a cara da Vani depois de tu dizeres isso!!!!!

    Adorei a história. Daqui a um bocadinho, já a vou postar.

    Posso acrescentar mais algumas imagens?
    Essa decoração e esse ganso, fizeram-me crescer água na boca.

    Espero que continues a visitar-me! Eu vou fazer o mesmo contigo!

    Acho que sou boa pessoa...e que podes confiar em mim!

    Beijinhos cheios de Pó de Estrela e até logo.
    Quica

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  4. Hum, tenho que pensar se percebi bem este final...
    Beijinhos

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  5. Teresa,

    Vim aqui ao cheirinho do ganso....li a tua história no blogue Pó de Estrela.
    Muita criatividade e humor.
    Adorei!
    Ah, reparei que também és de Lamego.
    Aos 21 vim para o Porto e cá fiquei.
    Gostei de te conhecer.

    Beijinhos

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  6. Amiga Teresa,
    Li a sua história no Blog da Pó de Estrelas e sinceramente segundo o que entendi...a Teresa é alguém que fez e tudo para não ter de receber um sem abrigo em sua casa na noite de Natal...
    Se estou errada corrija-me, por favor.
    Se não estou, como julgo, não sei nem onde está a piada nem o que representa para si o Natal.

    Abraço

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  7. Não queria convidar um sem abrigo para passar o Natal no seio da minha família, no entanto, não queria desgostar a minha querida Vanessa.
    Um dilema!
    Confesso, que já estava disposta a convidar um sem abrigo, quando no domingo seguinte à minha conversa com a Vanessa, o padre Gregor apelou aos fiéis para convidarem na Noite de Consoada um sem abrigo ou um estrangeiro.
    Nesse momento, ocorreu-me de me convidar a mim mesmo, pois sou a única estrangeira cá em casa e na nossa paróquia.
    A polémica, que provoquei com essa decisão, vou contá-la na segunda parte desta história de Natal verdadeira.

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  8. Obrigada amiga Teresa pelo maçada de se explicar.

    Peço desculpam mas tinha entendido que seria estrangeira, mas não sabia que história não estava concluída.

    Peço desculpas se tirei conclusões precipitadas.

    Abraço

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  9. Vou voltar para ler com mais calma, agora não consigo ler para perceber tudo.
    Beijo

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  10. :P

    Parece que a história do ano passado têm continuação... xD

    Quero ver isso...

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  11. Voltei aqui para colar o comentário que fiz no meu blog.

    Um beijinho muito grande
    Quica

    Aqui fica:

    Teresa

    A tua história não difere em nada daquilo que a grande maioria de nós faria.

    O Natal é uma festa tão íntima e familiar que se nos arrepia a alma só de pensar que um estranho nos iria entrar pela porta dentro, sem que nós tivessemos qualquer controlo sobre situações daí advidas!

    Com isto, não quero que pensem que sou insensível aos problemas sociais e à solidão da Noite de Natal. Como já disse por aí num blog,passo um ano inteiro a procurar ajudar quem conheço e precise da minha ajuda, de forma a que possam reconstruir as suas vidas, com dignidade e autonomia. Trabalho assim para que se criem possibilidades de virem a ter o seu Natal!

    Não acredito, nem gosto da caridadezinha natalícia, quando se passa o resto do ano a olhar de alto, sem nada fazer em prol do outro.

    Quando chega o Natal, gosto da intimidade, do sabor a família, do enraízar de valores tradicionais, por isso, seria capaz de fazer o mesmo que tu.
    Não seria capaz de, se tocassem à porta, deixar fosse quem fosse lá fora, mas convidar...

    Não sei como acabou a tua história, mas acredito que de alguma forma terás contornado a situação de forma a mostrares aos teus filhos que há maneiras muito boas e dignas de auxiliar quem necessita.

    Beijinho grande e eu é que agradeço teres mandado a tua memória!

    15 de Dezembro de 2009 22:00

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  12. Bem, fico à espera da segunda parte para comentar..

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  13. Tive que voltar para perceber.
    Entendi.
    Beijinhos

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  14. É impresão minha, ou a história ontem acabava em SOU EU! e fiquei à espera do final?
    Agora percebi tudo direitinho...

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  15. Teresa, suponho que a ingenuidade infantil de querer ajudar o próximo com uma boa ceia de natal faz sentido, mas um estranho à mesa da consoada é difícil de aceitar.

    Talvez a mentira fosse escusada, com um não radical, mas não vejo lugar a arrependimentos. Natal é só uma vez por ano, temos o resto do ano para poder auxiliar, e mais eficazmente, toda a restante comunidade de solitários, idosos, famintos e excluídos. Se o fazemos ou não, já é questão da nossa própria vontade...

    Beijinhos!

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