A actriz Dalila Rocha, 88 anos, faleceu na terça-feira, 28 de Julho, no Hospital da Ordem Terceira, no Porto.



Dalila Rocha estreou-se aos 33 anos, no TEP, onde permaneceu até 1964 quando foi convidada por Amélia Rey-Colaço para integrar o elenco do Teatro Nacional, "no que foi proibida pelas autoridades de então por ser demasiado à esquerda", disse à Lusa Júlio Gago, director do TEP.
Para Júlio Gago, Dalila Rocha "foi uma das melhores actrizes portuguesas do século XX".
Proibida de trabalhar no Nacional, Dalila Rocha fez várias peças com Jacinto Ramos e participações pontuais na televisão.
Em 1973, aceitou um convite de Jorge Silva Melo e Luís Miguel Cintra para integrar o Teatro da Cornucópia, onde permaneceu até 1985, altura em que se reformou.

10 - TEMAS 02.08.2009 Dalila Rocha Foi uma actriz exemplar no Teatro Experimental do Porto e depois na Cornucópia, em Lisboa. Jorge Silva Melo e Luis Miguel Cintra, que a dirigiram e com ela contracenaram, recordam-na aqui, entre o palco e a Ideal das Avenidas. Um diz que Dalia Rocha tinha um tempo-com-muito-tempo, o outro garante que foi ela que lhe ensinou que "representar era morrer para viver mais" Ver no PÚBLICO

"Cresci a olhar para as fotografias daquela actriz de olhos tão grandes e mãos tão longas, a primeira actriz de António Pedro: nas Guerras de Alecrim e Mangerona, na Longa Jornada para a Noite, na Morte de Um Caixeiro Viajante, no Mar. E a ouvir os que falavam dela com os olhos marejados de lágrimas como a actriz que tornava inesquecíveis as personagens que criava.
Mas só vi a Dalila Rocha já em Lisboa, porque o Jorge Silva Melo que com ela trabalhara em Brandos Costumes, se lembrou que talvez ela gostasse de se juntar a nós no início da Cornucópia. Por razões políticas, morais, para lutar contra o isolamento, não sei. Provavelmente tudo ao mesmo tempo. Razões morais, artísticas, políticas ou pessoais eram para a Dalila, como só o são para raros, a mesma coisa.
Fugira do Porto com o seu companheiro Mário Bonito, onde depois de ser coroa de glória da cidade, deixara de ser querida. Ela lembrava-se porquê. Vivia em Lisboa como exilada e também excluída desta outra cidade como "a actriz do Porto". E foi assim que quase sem saber como me vi uma noite na minha primeira encenação profissional a contracenar com ela e com a Glicínia Quartin. Foi aí, a representar com ela O Misantropo, que afinal a conheci e que nasceu uma amizade que se não distingue da admiração e que nunca teria fim se a morte não chegasse.
Passou a Cornucópia a ser o seu teatro em Lisboa. Sei que nunca lhe soubemos dar a alegria do palco que António Pedro lhe deu no Porto. Mas saiu e voltou por três vezes e connosco representou dez peças: Molière, Marivaux, Brecht, até ao 25 de Abril. Saiu por divergências políticas em 1975. Com a fidelidade a si própria que sempre lhe conheci. Voltou em 1980 para representar Rezvani, depois António José da Silva, o espectáculo Oratória, Shakespeare, De Filipo, Heiner Müller, Kroetz. Mas sobreviveu mal à morte do Mário, e ao seu regresso ao trabalho de telefonista dos Correios, onde começara e onde, ouvindo-lhe a voz, António Pedro adivinhou nela uma actriz, e voltava ao Porto, refugiando-se no seu papel de avó. Da última vez que a convenci a voltar não aguentou mesmo a solidão e, depois de ainda a termos filmado num monólogo de Kroetz, voltou definitivamente ao Porto, desistiu de representar, amargurada, e passou a viver das suas recordações de actriz e da vida de família.
Já são poucos os que ainda a podem lembrar no TEP [Teatro Experimental do Porto]. Mais se lembrarão dela na Cornucópia. Mas hoje, no dia da sua cremação [29 de Julho], já sem público e tão pouca memória do que foi, percebi como o tempo é cruel para os verdadeiros actores, os que, como ela, só no palco se sentem viver.
Para nós é ali que a vida se torna grande, que as palavras existem, que o corpo se pode transformar, que nos tornamos políticos na total exposição e oferta ao público de nós próprios, numa intensidade que a vida não permite, ou que não sabemos ter. Quanto mais longe formos nesse prazer, quanto mais a sério precisarmos do palco, mais nos tornamos só ficção, menos seremos lembrados. Para os outros fomos personagens de alguma peça que alguém viu. Para nós ficou lá o melhor da nossa vida. Mas o espectáculo passou. Foram muitas mortes antecipadas. Quanto mais inesquecíveis as personagens, mais esquecidos seremos. Quando a morte mesmo chegar, já a morte nos terá chegado. Já o mundo nos esqueceu.
Da Dalila ficará sempre a memória de com ela estar no palco. Nunca soube dirigi-la. Soube com ela o que é representar. Nunca mais senti intensidade como aquela, escura, profunda, em que tanto do que não é racional ela deixava existir. Aquela paixão. Aquele sentimento da vida ser maior. Participei com ela numa verdadeira "transfiguração". Era milagre. E aquela figura pequenina de olhos e mãos grandes transformava-se em cena numa mulher alta e altiva. Clara como ninguém no jogo que criava. Cada passo um gesto. Uma estrela. Alguma coisa acontecia cada noite. Que o diga a densidade do silêncio que criava nos que a viam e ouviam. Não mais esquecerei a sua voz. Não mais esquecerei quem me ensinou que representar era morrer para viver mais. Vingar-nos da pouca vida que temos. E começar a entrar no esquecimento. Eu fiquei para sempre no palco com ela. Não sei dizer-lhe adeus."

Kommentare

  1. Teresa, só agora por acaso dei uma espreitadela nos "OUTROS SORRISOS", porque já há muito que só escrevo no "SLETRAS".
    Achei por bem nestes meses de férias só escrever num blogue.
    Quanto aos selos pode levar os que quiser e gostar, eu nunca digo nada porque depreendo como disse no outro comentário que os selos são partihados com os amigos, e para mim não tem qualquer importância que os levem, se foi uma coisa que me ofereceram e eu gosto, também fico contente de partilhar com os amigos, por isso esteja sempre à vontade.
    Abraço
    Isabel

    AntwortenLöschen
  2. Pois bem tentei puxar pela memória - e destas actrizes novinhas não sei o nome de nenhuma, note-se - e não me lembro da cara da actriz...

    Diga-se de passagem que nesses anos não vi muito teatro...

    Beijinhos!

    AntwortenLöschen

Kommentar veröffentlichen

Beliebte Posts aus diesem Blog

pensamento inacabado

Guardador dos restos do Templo de Poseidon