Maus tratos ___ que sociedade é esta, que fecha os olhos? Que fazer? Há muito a fazer __ e depressa!

Lido em: O Caderno de Saramago, 16 de Fevereiro de 2009)

Sou em geral conhecido como pessimista. Ao contrário do que alguma vez possa ter parecido, dada a insistência com que afirmo o meu radical cepticismo sobre a possibilidade de qualquer melhoria efectiva e substancial da espécie dentro do que em tempos não muito distantes se chamou progresso moral, preferiria ser optimista, mesmo que fosse apenas por ainda conservar a esperança de que o sol, por ter nascido todos os dias até hoje, nasça também amanhã. Nascerá, mas lá chegará também o dia em que ele se acabe. O motivo destas reflexões de abertura é o mau trato conjugal ou paraconjugal, a insana perseguição da mulher pelo homem, seja ele marido, noivo ou amante. A mulher, historicamente submetida ao poder masculino, foi reduzida a algo sem mais préstimo que o de ser criada do homem e simples restauradora da sua força de trabalho, e, mesmo agora, quando a vemos por toda a parte, liberta de algumas ataduras, exercer actividades que a vaidade masculina presumia de exclusivas do varão, parece que não queremos dar-nos conta de que a esmagadora maioria das mulheres continua a viver num sistema de relações pouco menos que medievais. São espancadas, brutalizadas sexualmente, escravizadas por tradições, costumes e obrigações que elas não escolheram e que continuam a mantê-las submetidas à tirania masculina. E, quando chega a hora, matam-nas.
A escola finge ignorar esta realidade, o que não pode surpreender se pensarmos que a capacidade formativa do ensino se encontra reduzida ao zero absoluto. A família, lugar por excelência de todas as contradições, ninho perfeito de egoísmos, empresa em falência permanente, está a viver a mais grave crise de toda a sua história. Os Estados partem do exacto princípio de que todos teremos de morrer e de que as mulheres não poderiam ser excepção. Para algumas imaginações delirantes, morrer às mãos do esposo, do noivo ou do amante, a tiro ou à facada, talvez seja mesmo a maior prova de amor mútuo, ele matando, ela morrendo. Às negruras da mente humana tudo é possível.
Que fazer? Outros o saberão embora não o tenham dito. Uma vez que a delicada sociedade em que vivemos se escandalizaria com medidas de exclusão social permanente para este tipo de crimes, ao menos que se agravem até ao máximo as penas de prisão, excluindo decisivamente as reduções de pena por bom comportamento. Por bom comportamento, por favor, não me façam rir.

Kommentare

  1. Bom Dia Teresa

    Chegou a cotovia. Que belo o cabeçalho está, como sempre, mas os pássaros são sempre uma visão encantadora.

    Eu assino por baixo este texto, tudo quanto nele se diz, pois é uma vergonha no século xxi ainda haver toda esta cultura de machismo escondida sob a capa do amor. Não acredito que um homem que mate a companheira seja por amor. O amor não mata, pelo contrário. E a educação nas escolas está no fundo do poço.

    Beijinhos
    Isabel

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  2. Primeiro o texto, que tem que ser comentado, inevitavelmente.
    E eu reforço, mas que sociedade é esta, que permite tais coisas, será que o Amor é outra coisa, e nós não sabemos????
    Morre-se por Amor, mas não se mata por Amor, isso é aberração.
    E não façam nada que o mundo anda bonito, só se ouvem coisas destas a toda a hora, nos telejornais, no jornais.
    BASTA

    E agora o que é feito do Ematejoca Azul?
    Passou a branco????
    A cotovia anuncia a quse chegada da Primavera, que bom, pena que as vidas não sejam eternas Primaveras!!!
    Abraço
    Isabel

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  3. Grandes mudanças, Teresa! Mas gostei do novo visual...

    Não há como não concordar a 100% com o texto do Saramago! O problema é sério, cultural, baseando-se numa "cultura latina" onde ainda muitos acreditam na superioridade do macho sobre a fêmea. E há que manter essa "tradição", nem que seja à força! E homem "traído" ou que desconfie de tal, tem de lavar a sua "honra" num banho de sangue. Enfim, tristezas...

    Beijocas!

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  4. Tenho um amigo meu que diz «não sei como é que as mulheres podem gostar de homens! Eles são grosseiros, sujos, violentos, provocam as guerras que matam os filhos que elas tanto sofrem para ter...», e outras coisas no género! Chego a dar-lhe razão, apesar de ser homem também... espero ansiosamente que as Mulheres ao Poder chegue ainda durante a minha vigência terrena... o pior é que quando elas chegam ao poder transformam-se em ... homens!

    Mil beijinhos!!!

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